Capelas do Vaticano | Veneza
24/11/2024

As capelas do vaticano foram criadas para a 16ª Bienal de Arquitetura de Veneza, realizada entre maio e novembro 2018 (edição que teve curadoria da Grafton Architects). Embora ela foram concebidas para permanecer no local apenas pelo período de duração da bienal, as capelas se encontram em exposição até hoje. A ideia era que elas fossem desmontadas e reconstruídas em outros locais posteriormente, o que não aconteceu.

2018 foi o primeiro ano em que o Vaticano participou de uma Bienal de Arquitetura de Veneza. A mostra intitulada ‘Pavilhões da Santa Sé’ (Pavilions of the Holy See) levou a curadoria de Francesco Dal Co. Dal Co é crítico de arquitetura, editor da revista Casabella e participou de uma mesa na FLIP 2014, ao lado de Paulo Mendes da Rocha. Escrevi sobre essa conversa aqui, onde eles discutiram as semelhanças entre as cidades de Paraty e Veneza. Cada uma das 10 capelas foi criada por um arquiteto/a de um país distinto. Os arquitetos detinham liberdade criativa mas os projetos deveriam atender a duas diretrizes básicas: incluir um altar para a celebração da eucaristia e para a leitura das escrituras.

Pavilhão da arquiteta Carla Juaçaba

As capelas estão situadas em um jardim na ilha San Giorgio Maggiore. Para chegar lá de Veneza, é necessário pegar um barco. As visitas às capelas são feitas em grupos guiados e é recomendável agendar com antecedência. Há uma visita apenas para as capelas ou outras que incluem também a Fundação Giorgio Cini, que fica na mesma ilha e conta com um claustro projetado por Andrea Palladio e um labirinto em homenagem à Jorge Luís Borges. Eu deixo aqui o link para o site das reservas das visitas guiadas.

Vale ressaltar que a Basilica di San Giorgio Maggiore, na ilha, também é um projeto de Palladio.

Imagens da igreja San Giorgio Maggiore e o claustro da Fundação Giorgio Cini, ambos projetados por Andrea Palladio

Neste texto, eu vou me concentrar apenas nos projetos de arquitetura das capelas.

Pavilhão Asplund

Além das 10 capelas já mencionadas, há ainda a ‘Capela Asplund’, do MAP architects. Essa 11ª capela faz uma referência à ‘capela de madeira’ (wooden chapel) do arquiteto de Gunnar Asplund, que integra o cemitério ‘Skogskyrkogarden’, em Estocolmo. A capela de madeira e o cemitério de Asplund foram importantes referências para o conceito dos ‘Pavilhões da Santa Sé’. O “Skogskyrkogarden” já foi assunto no blog. Acesse esse link para saber mais sobre. No interior da Capela Asplund, há uma exposição com desenhos, documentos e maquete do projeto de Asplund e os conceitos que inspiraram as 10 capelas projetadas para esta ocasião.

A seguir, uma descrição das 10 capelas.

1_ Terunobu Fujimori com LignoAlp Barth Interni (Japão)

É interessante começar a visita pelo pavilhão do arquiteto japonês Terunobu Fujimori, pois foi o projeto que mais me lembrou a capela de madeira de Asplund. Há uma semelhança por conta da forma do telhado e pelo uso da cor preta na fachada. O acesso ao interior é feito por uma porta pequena e estreita, o que obriga o visitante a se curvar, fazendo um movimento de reverência ao adentrar um lugar sagrado.

Pavilhão do arquiteto japonês Terunobu Fujimori

O interior traz um contraste em relação ao exterior. Aqui as paredes são brancas, a estrutura é de madeira aparente e, no eixo da parede do fundo, vemos uma cruz de madeira que surge da estrutura do edifício. A parede do fundo foi revestida por pedaços de carvão e o espaço em volta do centro da cruz foi deixado vazio. Duas aberturas zenitais sobre a cruz intensificam a claridade sobre este ponto. Os bancos são de madeira e o piso é em pedrisco, dando a impressão como se o jardim adentrasse a capela.

Interior com parede branca revestida por carvão e cruz de madeira

2_Javier Corvalán com Simeon (Paraguai)

Um imenso cilindro em balanço, composto por placas de madeira e estrutura em aço. Não há uma cobertura, então o espaço criado ao centro do cilindro é contido apenas lateralmente pelo cilindro e pelas árvores que surgem por trás. Um espaço de reza e contemplação em contato com a natureza.

Pavilhão de Javier Corvalán

A entrada ao espaço central, demarcado pelo imenso cilindro, é feito por baixo do ponto mais elevado do conjunto. Na parte oposta mais baixa, vemos uma cruz dupla. De acordo com a nossa guia, a estrutura era móvel (movia cerca de um metro) mas, depois da Bienal, este sistema foi desativado. Ainda assim, o pavilhão é sensível e se mexe se venta ou chove.

Cruz dupla no vazio central do pavilhão

3_ Norman Foster com Tecno Terna Maeg (Reino Unido)

A estrutura do pavilhão de Norman Foster é composta por 3 pilares de aço em forma de cruz. Esses pilares são fixados entre si por um sistema de cabos de aço. O invólucro/cobertura é uma trama de ripas de madeira, coberta por folhas de jasmin. As frestas entre as madeiras permitem a entrada de luz natural, mas oferecem simultaneamente uma sombra. O piso é um deck de madeira sobre uma estrutura de aço.

Pavilhão de Norman Foster foi coberto por folhas de jasmin

As folhas de jasmim que cobrem o pavilhão foram plantadas na época da construção então, no momento da inauguração, a estrutura era totalmente aparente. Na minha visita, o pavilhão já estava inteiramente coberto pelas folhas. Interessante como a sua aparência foi mudando ao longo dos últimos anos.

4_ Andrew Berman com Moretti Terna (Estados Unidos)

Este pavilhão possui uma planta em triângulo – duas fachadas são cegas, revestidas por placas de policarbonato. A entrada ao pavilhão é feito pela terceira fachada, pintada na cor preta e com o caimento do telhado de uma água em policarbonato. Essa fachada possui uma varanda com um banco em madeira e dois vãos para entrada e saída.

Pavilhão de Andrew Berman

No interior, há um altar que se assemelha a um banco, localizado sob uma abertura zenital, que enfatiza a importância hierárquica desse ponto no projeto.

Banco de madeira na varanda

5_ Francesco Cellini com Panariagroup (Itália)

Pavilhão com desenho geométrico e estrutura metálica em aço. O invólucro possui duas faces – uma interna e outra externa. O lado externo é escuro enquanto o interno é revestido em porcelana branca. O altar com o livro para a realização de leituras está localizado no centro. O pavilhão parece flutuar, como se não tocasse no chão.

Pavilhão de Francesco Cellini
Face interna revestida em porcelana branca

6_Eva Prats e Ricardo Flores com Saint-Gobain Italia (Espanha)

Nomeada ‘capela da manhã’ (the morning chapel). O nome faz referência ao buraco redondo que permite a passagem da luz do sol da manhã. Graças às aberturas, a capela vai mudando ao longo do dia, em função do percurso da luz. Neste projeto, mais uma vez, verificamos um antagonismo entre dentro e fora. As paredes voltadas para fora foram pintadas em uma tonalidade terracota. As paredes internas são brancas. O piso é de tijolo, que entra em harmonia com a tonalidade terracota das paredes externas.

Pavilhão de Eva Prats e Ricardo Flores

7_ Smiljan radic com Moretti Saint-Gobain Italia (Chile)

‘A capela como altar de beira de estrada’ (The Chapel as a Roadside Shrine). O arquiteto se inspirou nesses altares que encontramos à beira de estrada, em locais onde ocorreram acidentes e as pessoas que perderam entes queridos costumam deixar flores. O projeto de Smiljan Radic busca aproximar as escalas monumental e doméstica, o sagrado da escala humana. As paredes de concreto contêm um espaço interior de planta arredondada. A cobertura retangular de vidro é sustentada por uma viga de aço. No meio do espaço, uma tora de madeira cria um elemento vertical, conectando a viga ao piso.

8_ Sean Godsell com Maeg Zintek Nice (Austrália)

O arquiteto pensou inicialmente em usar um contêiner, dada a natureza efêmera do projeto. No final, a forma e as dimensões do seu pavilhão se assemelham àquelas de um contêiner. Inspirado por campanários, como aquele da praça San Marco, em Veneza, a ideia original de Sean Godsell era instalar um sino no topo, algo que não foi realizado.

Pavilhão de Sean Godsell. O altar é revelado pela abertura das portas nas quatro direções.

Bancos de madeira

O altar é revelado quando as 4 portas se abrem através de um sistema automático. Não há uma distinção entre as quatro fachadas. Com isso, é possível instalar bancos nas quatro frentes e realizar cerimônias a 360º. Visto do céu, quando as portas se abrem, a planta do pavilhão forma uma cruz. O interior da estrutura é dourado e possui uma abertura zenital.  Banhado pela luz do sol, a cor dourada do interior é ressaltada.

Interior é pintado em cor dourada

9_ Carla Juaçaba com Secco Sistemi (Brasil)

Entre as capelas do vaticano, esta é a mais aberta e, consequentemente, a que mais se integra ao jardim. O projeto de Carla Juaçaba não tem paredes nem cobertura. O espaço é delimitado apenas por duas cruzes, medindo 8×8 metros e com seção de 12x12cm. Uma cruz é vertical, delimitando o altar, e a outra é horizontal, que serve de banco. Ao sentar nesta, as laterais em balanço se movem sob o peso do corpo. Há ainda sete peças de concreto (medindo 12x12x200cm) que ancoram e atribuem um ritmo ao conjunto.

Capela de Carla Juaçaba
Duas cruzes – uma vertical que demarca o altar e uma horizontal, que serve como banco

Peças de concreto atribuem ritmo ao conjunto

As cruzes são em aço inox polido. A superfície espelhada reflete o entorno. Com isso, as cruzes quase desaparecem em meio à natureza. Dependendo do dia, a sombra do conjunto pode ser mais perceptível do que a construção em si. O ambiente completamente composto pela harmonia entre a interferência humana, a luz do sol, o vento e as árvores. A igreja quase invisível serve de metáfora para a transitoriedade da vida e da existência humana.

A capela quase desaparece em meio ao entorno

10_ Eduardo Souto Moura com Laboratorio Morseletto (Portugal)

O espaço projetado por Eduardo Souto Moura é contido por 4 paredes de pedra. As pedras empregadas são provenientes de Vincenza. A pedra, esse material tão antigo, atribui um sentido atemporal, além de um peso ao pavilhão.

Fachada do pavilhão do Eduardo Souto Moura
Pavilhão encerrado lateralmente por quatro paredes
Altar no centro. Percebemos manchas nas pedras na parte descoberta, resultante das intempéries

Há uma cobertura, também de pedra, que não cobre totalmente o espaço. O acesso e o fundo do altar são mantidos descobertos. A pedra é esculpida para se adaptar às diferentes funções, como a calha ou como a cruz no altar.

Calha
Entrada do pavilhão

Achei muito interessante ver como os arquitetos encontraram soluções tão distintas para o mesmo programa no mesmo local. Como as capelas foram concebidas para serem temporárias, é possível observar alguns sinais de envelhecimento, como manchas nas paredes, por exemplo. Essas marcas do tempo são esperadas, visto que os pavilhões estão expostos à intempéries. Ainda assim, gostei muito da visita e recomendo aos que estiverem de passagem por Veneza.

Referências:

Archdaily

Arquitectura Viva

Biennale

Design boom – Carla Juaçaba

Dezeen

Divisare – Javier Corvalan

Divisare – Smiljan Radic

Divisare – Sean Godsell

Wallpaper

Acessos em 23 de novembro, 2024.