Inaugurado em 2004, o Parlamento Escocês leva a assinatura do escritório EMBT, uma sociedade entre Enric Miralles e sua esposa Benedetta Tagliabue. Situado na cidade de Edimburgo, o complexo é considerado por alguns a obra prima da carreira do arquiteto catalão. Ainda assim, a sua construção foi rodeada por polêmicas.
O Parlamento Escocês existe na verdade desde 1235 mas foi anexado ao do Reino Unido em 1707. Em 1997, os escoceses votaram pela reconstituição de um parlamento próprio e foi lançado em 1998 um concurso internacional. Embora eventualmente escolhido pelo júri, o projeto de Miralles curiosamente não foi o favorito do público. Ele ficou em segundo lugar, atrás apenas do projeto do uruguaio Rafael Viñoly.
Originalmente, o Parlamento ocupava o prédio onde hoje é a igreja da escócia. No período de 5 anos entre a reconstituição do parlamento e a finalização da nova construção, o parlamento funcionou em sua antiga sede. Lá os ministros se reuniam em uma sala de piso quadriculado, um padrão que foi replicado em uma das salas dos ministros no novo prédio. Uma alusão a essa memória.
Para a concepção do projeto, Miralles e Tagliabue viajaram o país inteiro em busca de inspiração e para melhor conhecer a paisagem local. O croquis inicial se assemelhava a um galho ou ao tronco de uma árvore, a partir do qual surgem formas de folhas. Devido à forte relação da Escócia com a água, há quem também interprete as formas como barcos.
O parlamento articula núcleos com usos distintos, entre esses um edifício de escritórios para os ministros, uma torre de imprensa, salas de reuniões, auditório, espaço de exposição, restaurante e refeitório. Esses espaços são interligados por corredores que se assemelham aos “closes”, tipologias comuns na cidade de pequenos caminhos entre prédios. Cada um desses núcleos teve o seu mobiliário desenhado especialmente para o local. Isso confere ao projeto um sentido de democracia, já que cada ambiente é único e nenhum se sobrepõe ao outro em termos de importância. Por outro lado, esse excesso de detalhes é destacado como um dos motivos dos altos custos da construção, que estourou o orçamento e prazo de entrega iniciais.
Grande parte dos materiais empregados na construção eram locais, como a pedra do piso e a estrutura de concreto. Já a madeira de origem certificada é proveniente de diferentes países europeus. Há muito vidro também, o que permite a apreciação a paisagem do entorno além da entrada de iluminação natural. As esquadrias de madeira aquecem o ambiente e a composição ‘em escada’ se inspira nas fachadas em formato de escadinha, tão características da cidade.
Simbolismo na arquitetura EMBT
De acordo com o crítico Josep Montaner, a arquitetura de EMBT pode ser associada a um movimento conhecido como o organicismo. Esse movimento surgiu nas primeiras décadas do século 20 nas obras de arquitetos como Antoni Gaudi (também da Catalunha) e do americano Frank Lloyd Wright. Nas vertentes contemporâneas, isso tem se manifestado através da introdução de elementos oníricos e surrealistas nos projetos. Entre as principais características estão a criação de um universo particular e original, onde uma atenção especial é dada a cada elemento, e também ao criar uma relação íntima com o contexto local. Dois escritórios contemporâneos que desenvolveram trabalhos alinhados a esta tendência foram o EMBT e Frank Gehry.
No Parlamento escocês, EMBT empregou símbolos representativos da identidade escocesa, como a Cruz de Santo André, presente na bandeira do país. Essas cruzes se fazem presentes de maneiras variadas como no teto, pilares e demais elementos decorativos. Há também motivos que se repetem, como a silhueta das pessoas, um desenho que é replicado nas luminárias e nas paredes do auditório da assembleia.
Um elemento característico do projeto é a fachada das salas dos ministros. São pequenos núcleos que se projetam da fachada. A explicação é que ao trabalhar sobre as leis, os ministros “pisam para fora” do prédio, estabelecendo um maior contato com a cidade e com o povo, tornando-se mais atentos às suas necessidades. A forma preta que parece um ‘L’ simboliza uma cortina que se abre para olhar para fora, como se os ministros estivessem abrindo as cortinas para olhar para a população. Um símbolo de aproximação e transparência entre as pessoas e os seus representantes eleitos.
Infelizmente, a carreira do arquiteto foi curta. Ele morreu aos 45 anos em 2000 e não chegou a ver a sua obra concluída. Benedetta continua com o escritório EMBT. Se você estiver pela Escócia e quiser visitar também o Parlamento, vale reservar a visita com antecedência pelo site do Scottish Parliament.