Centro Cultural de Belém, Lisboa | Vittorio Gregotti e Manuel Salgado
18/03/2020

No período em que vivi em Lisboa, o Centro Cultural de Belém rapidamente se tornou um dos meus lugares favoritos da cidade. Lá, eu tive a oportunidade de assistir a concertos, pequenos shows de jazz, ir a exposições e até mesmo participar de uma aula de yoga à céu aberto com a vista do rio Tejo. Gosto como o centro consegue reunir atividades tão diversas e ser tão atual, mesmo situado em um contexto fortemente enraizado no passado.

Centro Cultural de Belém. Fonte Foto: risco.org

Localizado em uma das freguesias mais antigas e turísticas de Lisboa, o Centro Cultural de Belém (CCB) fica próximo de alguns dos principais monumentos da cidade, como o Mosteiro dos Jerônimos (uma construção de arquitetura manuelina do século 16), o padrão dos descobrimentos e a torre de Belém (fortificação também do século 16, de onde partiram as grandes navegações).

Padrão dos descobrimentos visto do jardim do CCB

Outro importante elemento do entorno é o Jardim do Império, que fica em frente à fachada principal do CCB.  Este espaço verde traz um respiro entre tantos monumentos e proporciona o devido afastamento para observar essas construções à distância. Recentemente, dois novos museus também abriram na região: o Museu dos Coches, que já foi assunto aqui, e o Museu de Arte, Arquitetura e tecnologia, o MAAT, projeto de Amanda Levete.

Além do entorno, o próprio terreno possui uma rica história. Aqui jazia o Palácio da Quinta da Praia, demolido em 1962, que serviu de residência para membros da nobreza. O seu nome relembra o tempo em que o rio Tejo chegava até a fachada sul do lote, antes do aterramento. Com isso tudo em mente, o arquiteto aqui tinha o desafio de dialogar com as construções monumentais no entorno, manter-se atual e preservar a história da região.

Palácio da Quinta da Praia. Fonte Foto: lisboadeantigamente.blogspot.com

Foi realizado em 1988 um concurso público, ao qual foram apresentadas mais de 50 propostas. A vencedora foi a do italiano Vittorio Gregotti em parceria com o português Manuel Salgado. Originalmente concebido para acolher a primeira presidência portuguesa da União Europeia, no primeiro semestre de 1992, o complexo foi construído relativamente rápido, em apenas três anos. Sua abertura ao grande público ocorreu um ano mais tarde, em 1993, no mesmo ano em que recebeu o Prémio Internacional de Arquitetura em Pedra, de Verona.

O projeto é composto por cinco módulos – um de reuniões, um de espetáculos, um de exposições, um de serviços e um de hotelaria. Somente esse último não foi construído até hoje. A partir de 2007, o museu recebeu a Coleção Berardo, a maior coleção privada de arte moderna e contemporânea de Portugal. Vale assistir esse vídeo para ouvir o Manuel Salgado apresentando o projeto original.

Inteiramente revestida por placas de pedra, suas fachadas opacas são pontuadas por janelas e pequenos elementos quadrados, igualmente espaçados de forma linear, dando ao edifício características de fortaleza. Essa impressão é ressaltada pela horizontalidade e peso da composição. A escolha da pedra imprime um caráter clássico ao conjunto, estabelecendo uma harmonia com as construções do entorno. Os seus 140 mil metros quadrados ocupam toda a dimensão da quadra, distribuídos em blocos organizados por uma malha de vias internas.

Pátio interno CCB. O ritmo das fachadas é replicado na paginação do piso.
Pátio interno. Paginação do piso segue desenho de linhas perpendiculares e quadrados.

A criação desta malha realça a relação entre o CCB e o espaço urbano. Há uma continuidade com o espaço da Praça do Império, cujo desenho também articula linhas perpendiculares e quadrados. A medida que se adentra o complexo, percebe-se uma declividade que vence a diferença entre o nível da rua e o da praça interna, por onde é feita a entrada ao museu. Essa rampa proporciona acessibilidade mas também estabelece um paralelo com a topografia tipicamente acidentada de Lisboa, a cidade das sete colinas. 

Jardins com esculturas. Fonte Foto: risco.org

A semelhança com o espaço urbano é ressaltada pela multiplicidade de percursos resultantes da malha. O visitante pode escolher por onde entra e sai. Os percursos descobertos também deixam o visitante exposto às intempéries ao invés de circular por um prédio fechado. Esses caminhos interligam os blocos de funções distintas e são pontuados por lojas, cafés e restaurantes, além dos jardins com esculturas. Há um contraste entre a espacialidade das vias estreitas e a abertura dos jardins. Segundo o arquiteto Manuel Salgado, a criação da malha foi uma forma de racionalizar o projeto e organizar o espaço, principalmente dada a sua complexidade e o curto prazo de entrega.

Sala de Concertos. O projeto de interiores foi assinado por Daciano Costa

Essa pluralidade de percursos e usos se traduzem em experiências distintas a cada visita. Embora eu já tenha voltado ao CCB diversas vezes, cada vez foi única porque é sempre possível vivenciar o espaço de uma nova maneira.