Em 2015, João Vilanova Artigas completaria 100 anos. Ao longo deste ano, foram realizados diversos eventos comemorativos relembrando a vida e obra do arquiteto; O Itaú Cultural em São Paulo organizou uma exposição reunindo vídeos, fotos, desenhos e maquetes da sua obra; Em Junho foi lançado o documentário “Vilanova Artigas: o arquiteto e a luz”(cujo trailer se encontra abaixo), dirigido por sua neta Laura Artigas e Paulo Gorski, e que contou com uma apresentação especial na programação da FLIPMais, durante a Feira Literária de Paraty; além da criação de um site oficial do arquiteto: www.vilanovaartigas.com Por isso, o blog hoje também presta uma homenagem a esse que é um dos grandes mestres da arquitetura moderna brasileira.
Nascido em Curitiba, no Paraná, João Vilanova Artigas formou-se engenheiro-arquiteto pela Escola Politécnica de São Paulo, em 1937, e veio a se tornar um dos principais representantes da escola paulista. Apesar de ser mais conhecido por seus projetos brutalistas, como o prédio da faculdade de arquitetura da USP (FAUSP) ou o estádio do Morumbi, sua obra reúne projetos diferentes entre si, o que revela uma multiplicidade de influências e um amadurecimento do arquiteto ao longo de sua trajetória.
Enquanto a escola carioca acompanhava de perto os passos de Le Corbusier, em um primeiro momento, Artigas foi profundamente influenciado pela arquitetura orgânica do americano Frank Lloyd Wright.
A influência de F.L. Wright na arquitetura de Vilanova Artigas (1938-44)
Vilanova Artigas entrou em contato com a arquitetura de Wright nos anos 40, através de revistas americanas que chegavam ao Brasil. Ele admirava o modo como Wright percebia a arquitetura. Wright costumava dizer que a terra e o processo construtivo estavam intimamente ligados à arquitetura. A chamada “arquitetura orgânica” busca uma integração, uma simbiose do construído com a natureza e a diluição do objeto na paisagem; há uma nítida recusa da monumentalidade em seus projetos. Salienta-se um desejo de camuflar a arquitetura com o seu entorno. Daí vem a preferência do americano por matérias primas, como a pedra e a madeira, ou materiais resultantes de transformações primárias, como o tijolo e a telha, cujas cores e texturas se assemelham à natureza.
Frank Lloyd Wright também dava muita importância à qualidade do espaço interno. Em suas obras, o interior imperava sobre o exterior. Para ele, a concepção de um edifício deveria ser guiada pela disposição interna e as fachadas deveriam traduzir essa composição.
A influência da “arquitetura orgânica” de Wright pode ser encontrada em obras como a Casa Paranhos ou a “Casinha”, onde Artigas morou.
No projeto para a Casa Paranhos (1942-1944) foi preservada uma fidelidade à concepção artesanal. As janelas fixas na fachada seguem um plano contínuo, sempre muito próximas da linha do telhado. As janelas de esquina contribuem para uma diluição da forma. O espaço interno fluido se reflete nos volumes externos. A composição impressiona pela nitidez, pelo rigor mas também por sua leveza.
Casinha (1942), primeira obra que o arquiteto projetou para si mesmo, o que lhe proporcionou uma liberdade que até então ele não tinha nos outros projetos. Havia pouca diferença entre fachada principal, de frente e de fundos, rompendo assim com uma hierarquia entre partes. O espaço interno dispunha de poucas divisórias, oferecendo assim uma fluidez entre os ambientes.
O envolvimento político de Vilanova Artigas
Artigas se associou ao partido comunista em 1945. Dois anos depois, com a cassação do registro do partido, sua participação política torna-se ainda mais assídua, o que fomenta o seu compromisso social e o tom cada vez mais exaltado de seus artigos.
Em 1952, ele publicou o polêmico “Caminhos da Arquitetura”, onde contesta agressivamente os dois maiores arquitetos modernistas da atualidade: Frank Lloyd Wright, que tanto havia influenciado a sua arquitetura até então, e Le Corbusier. Estes são taxados por ele como ‘arquitetos de elite’, criticados por produzir uma arquitetura voltada apenas para as classes dominantes. Artigas encarava a filosofia de Corbusier como decorrente de um pensamento ingênuo, fundamentado na busca evasiva de um mundo utópico composto de formas puras, sem um real compromisso com a construção. Isso sem contar que se aproveitava da arquitetura de modo que esta servisse para reforçar a dominação do homem pelo capital. Trata-se de um documento que exala a tensão daquele momento político vivido pela esquerda, caracterizado por embates ideológicos do período da guerra fria e a campanha contra o imperialismo americano.
Artigas era um homem inquieto e acreditava que a única maneira da arquitetura proporcionar mudanças significativas para a sociedade seria através de alguma relação política. Caso contrário, o conflito entre as classes jamais seria resolvido. A política deveria, portanto, ser visada como um componente intrínseco na arquitetura e essa associação entre ambos era um atributo que todo arquiteto deveria reconhecer e almejar em seus trabalhos. Com isso, Artigas passa a considerar em seus projetos a função social do arquiteto, sempre enfatizando a arquitetura como crítica à realidade.
A influência de Le Corbusier na obra de Vilanova Artigas – uma reviravolta no seu discurso (1945)
Suas convicções políticas fizeram com que o arquiteto levantasse uma série de questionamentos quanto a mensagem exprimida em sua arquitetura. Ao defender uma arquitetura majoritariamente artesanal, não estaria Artigas negando o progresso, algo tão fundamental para o desenvolvimento da nação brasileira? Estaria a submissão de suas obras à natureza demonstrando uma descrença na capacidade humana? Artigas faz mais do que simplesmente refletir sobre o significado de suas obras – ele reavalia sua maior fonte de inspiração.
A impessoalidade da geometria de Le Corbusier, por outro lado, corresponde a um anseio de democratização da forma moderna. Similarmente, o incentivo de Walter Gropius à produção em larga escala viabiliza o acesso das massas a esses produtos. Com isso, a tecnologia torna-se cada vez mais presente nas obras de Artigas. A arquitetura se afasta da natureza e se aproxima do urbano e do processo industrial.
A partir de 1945, Artigas abandona de vez a sua submissão à natureza e dedica-se à compreensão e ao aprimoramento das técnicas construtivas visando materiais modernos. Evidenciam-se em suas construções a sua atração pela crueza do material, as suas preocupações com o espaço interno e a unificação do mesmo com o sistema urbano, intercalando a organização racional com estudos psicológicos. Dentre suas principais características, predominam os volumes geométricos puros, sendo esses frequentemente coroados por uma cobertura em V e constituídos de espaço interno fluido, que conferem ao conjunto um dinamismo através do jogo de rampas e níveis desencontrados. Isso sem contar com a interação do espaço encerrado com o ambiente externo, realizado por meio de grandes vãos na fachada e a continuidade com o piso da calçada.
Projeto de Sua Segunda Casa(1949)
A segunda residência do arquiteto foi construída no mesmo terreno da “Casinha”. Há um forte contraste entre as linguagens das duas residências. Enquanto a primeira remete a um processo construtivo mais artesanal, através do uso de madeiras, tijolos e telhas cerâmicas, a segunda faz uso de grandes planos de vidro e formas geométricas. A opacidade e reclusão da casinha se contrapõem à transparência da segunda casa. Há uma leveza nesta nova casa que atribui uma maior elegância ao conjunto, bem como uma maior pureza no volume. O desenho invertido das águas do telhado contribui para a expressão formal da construção.
A continuidade visual é um aspecto importante no projeto. Há uma continuidade entre o ambiente interno e externo. Além da continuidade visual pelas grandes esquadrias de vidro, há também uma continuação do piso graças à rampa de acesso.
FAUSP(1961-1969)
A Faculdade de Arquitetura da USP é conhecida como um dos projetos mais importantes de sua carreira, considerada a mais bem sucedida experiência de conjugação entre interação espacial e social. Nesta construção, Artigas conseguiu reunir arquitetura, pensamento pedagógico e ideologia social, gerando uma composição em perfeita sintonia. A tese central do projeto gira entorno da concepção do espaço como promotor das relações humanas. Esse conceito contribui para a concepção da arquitetura em seu papel primordial de abrigo.
Trata-se de um volume de forma pura, fechado para o exterior nos pavimentos superiores mas que proporciona uma continuidade com a calçada no nível do térreo. Suas grandes fachadas de concreto aparente revelam o seu processo construtivo pela marca das tábuas utilizadas como fôrma. A natureza hermética do volume visto do exterior contrasta com a amplitude de seu interior. Ao adentrar o edifício, vislumbramos um espaço que se abre em todas as direções, seguindo pelas rampas que atravessam o edifício.
Embora este seja um edifício coberto, a faculdade não deixa de ser um espaço público. Ela pertence a cidade e essa noção é enfatizada em sua espacialidade. Não há uma porta principal ou um único acesso propriamente definido. É um espaço que se abre para vários lados e qualquer um pode entrar. A ideia é que o movimento dos usuários caracterizasse o espaço por completo.
O pavimento térreo possui a maior área. Nele se desenvolve uma espécie de praça central interna que recebe luz diretamente da abertura na cobertura. Ou seja, a cidade é trazida para dentro da construção. Um espaço agregador, que propicia o encontro e a convivência. Ele já foi inclusive palco de manifestações políticas, como vemos na foto acimaOs pilares externos possuem um desenho distinto onde uma forma plana e triangular intercepta um volume piramidal tridimensional que se eleva do solo, como se a fundação estivesse ascendendo. Esta solução faz uma alusão às forças da natureza ao provocar um encontro direto e inesperado entre forças contrastantes – a força da gravidade, que tende a puxar os corpos para a terra, e a reação inversa.
Sua morfologia bruta e pesada faz da FAUSP uma obra enraizada, próxima da terra e das pessoas, mas ao mesmo tempo transcendente, através da iluminação zenital e da hegemonia grandes dos vãos, ressaltando um pensamento utópico perante a situação do mundo.
Conclusão
A trajetória de Artigas apresenta saltos entre estilos. Apesar disso, certos princípios tais como a honestidade do material, a fluidez do espaço e a franqueza funcional são mantidos através da sua obra, o que revela um gradual amadurecimento. Estas premissas revelam a sua ideologia política, algo que influenciou diretamente a escolha dos arquitetos cujas obras nortearam a sua produção, passando do organicismo de F.L. Wright, pelo racionalismo de Le Corbusier, e eventualmente chegando ao patriotismo visando obras nacionais como as de Niemeyer e Reidy.