Viena | das grandes avenidas às ciclovias
20/04/2016

Viena é uma referência histórica em termos de planejamento urbano. Hoje, a capital austríaca permanece uma cidade viva, com uma programação cultural intensa, excelentes museus, além de uma localização privilegiada – bem no centro da Europa, a uma curta viagem de trem de capitais como Praga, Bratislava e Budapeste.

Ringstrasse e a crítica de Camilo Sitte

Mapa de Viena em 1833, Fonte: www.mapahistorico.com

No século 19,  houve a ascensão dos princípios do higienismo, doutrina que atribuía os problemas de saúde da população à precária condição do saneamento básico e à superlotação dos domicílios.  Sob o comando de Napoleão III e Haussmann, Paris foi a primeira cidade a iniciar um processo de reconstrução, em 1854, com a abertura de grandes avenidas e o desenvolvimento de sistemas de canalização de esgoto e abastecimento de água.  Em 1857, o Imperador Franz Joseph I da Áustria, ordenou a demolição dos muros que cercavam a cidade e determinou a criação de largas vias no lugar.  Essas vias, que circundavam a cidade como um anel, se tornou conhecida como a ‘Ringstrasse’.

Em um período caracterizado pelo acelerado adensamento urbano e uma inevitável escassez de habitação, a proposta do ‘Ringstrasse’ parecia ideal. Este grande anel compreendia um extenso complexo de edifícios públicos e residenciais privados, devidamente espaçados para permitir a ventilação entre construções.  Foi um projeto que manteve a parte histórica da cidade encerrada e preservada e incentivava uma expansão moderna para além dos limites dessa região.

Muitos dos edifícios construídos nesta local seguem uma tendência de historicismo romântico. Os prédios possuem caráter monumental, ressaltando riqueza e a opulência da cidade e do governo Vienense.  A largura das avenidas possibilitava um afastamento maior das edificações, conferindo a elas um aspecto grandioso.

Rathaus, a prefeitura de Viena. Fonte: Foto: www.wien.info

Apesar de ser uma proposta moderna e de ter se tornado referência para outros centros como Barcelona, o projeto para o ‘Ringstrasse’ sofreu críticas.  A mais aclamada delas veio do arquiteto Camillo Sitte, em sua obra “A Construção das Cidades Segundo seus Princípios Artísticos”, publicada em 1889, um manifesto que defendia os ideais do urbanismo culturalista.

Camillo Sitte, o Culturalismo e o Jugendstil

O culturalismo propunha uma cidade orgânica, em continuidade com o passado.  Para os culturalistas, cada cidade era única e um entendimento sobre a sua história era fundamental para compreender o seu presente e perceber qual rumo tomar para o planejamento do futuro. Sitte acreditava que os traçados urbanos deveriam ser o resultado de uma vivência, uma ocupação ao longo do tempo determinada pela tipologia local e a própria natureza.  Sitte portanto apreciava o historicismo da arquitetura do Ringstrasse mas era contra o desenho ampliado da avenida.

O apreço pela artes, defendido por Camillo Sitte, se manteve em outros momentos na cidade, como no movimento Jugendstil – a secessão vienense – que reúne belos exemplares espalhados pela cidade a partir de 1897.

Vienna Secession building, projeto de Joseph Maria Olbrich Fonte: Foto: upload.wikimedia.org

Este movimento seria posteriormente contestado por Otto Wagner e Adolf Loos, que trouxeram a sobriedade do modernismo para a arquitetura vienense.  Para saber mais sobre a obra de Loos, leia aqui.

Viena hoje

No meu caminhar pela cidade, senti que pude facilmente orientar-me pelas referências arquitetônicas na paisagem.  São tantas cúpulas, torres de igrejas e edifícios públicos que há sempre um elemento arquitetônico no horizonte para te guiar ou despertar o seu interesse.  Apesar de não haverem grandes morros ou outros elementos naturais na paisagem, Viena me pareceu uma cidade com uma fácil e boa legibilidade urbana, relembrando algumas das lições de Kevin Lynch sobre a imagem da cidade.

O que encontramos é uma cidade que soube preservar a beleza do seu patrimônio e, ao mesmo tempo, se atualizar de forma consciente.  A rede de transportes é abrangente e regular, articulando metrôs, trens e VLT, chegando a funcionar 24 horas às sextas e sábados.  O bilhete pode ser pago por dia, mês, ou ano, e não há catracas para controlar a entrada nos transportes, apenas fiscalizações eventuais em determinadas estações.  Um sinal de confiança da parte dos órgãos para com a população.

Também encontrei ciclovias por toda a cidade. Essas, muitas vezes, são faixas pintadas nas calçadas.  A bicicleta compartilha então, na maior parte das vezes, o espaço com o pedestre, e não com os carros.  Isso funciona aqui porque as calçadas são largas então há espaço para os dois.  Há sinalização de trânsito específica para carros, para pedestres e bicicletas, então cada um sabe bem quando andar e qual sinal respeitar.

Há amor nos sinais de trânsito de Viena foto: telegraph.co.uk

Com a crise dos refugiados, a Áustria serviu de passagem e/ou se tornou destino para muitos deles. Neste contexto, começam a surgir iniciativas de acolhimento.  Novos concursos de arquitetura para projetos de habitação, por exemplo, contemplam residências para recebê-los.  Além disso, surgem iniciativas como o “Wallpaper for Refugees”, que colocou pôsteres com o vocabulário do cotidiano pelos muros da cidade, para que os refugiados aprendam o básico do idioma para se comunicar.  Para saber mais sobre essa iniciativa, ouça reportagem aqui:

 http://monocle.com/radio/shows/the-urbanist/222/vienna-wallpaper-for-refugees/