Vinho e Arquitetura na Serra Gaúcha
28/06/2017

Visitei a Serra Gaúcha em Fevereiro. Embora a alta temporada na região seja durante o inverno – o tempo ideal para beber vinho tinto e tomar chocolate quente – o verão também é ótimo para se refrescar com os premiados espumantes locais, e para ver as vinhas com frutos, já que a época da colheita por lá acontece entre os meses de janeiro e março.

Cooperativa Vinícola Aurora Fonte Foto: estilodevidavg.com

A serra gaúcha reúne o polo de vinhos mais antigo do país. Estabelecido nos anos 70, o polo conta com mais de 600 vinícolas e cooperativas.  Em Bento Gonçalves, as vinícolas estão distribuídas ao redor do município, pelo Vale dos Vinhedos, em Caminho das Pedras, Garibaldi e Pinto Bandeira.

Cave Geisse, em Pinto Bandeira. Fonte Foto: barricanews.com

Ao chegar na região, me surpreendi ao avistar muitas fábricas na paisagem.  Isso ocorre porque, além do setor vinícola, Bento Gonçalves é também referência para outras indústrias – como a moveleira, por exemplo. Em termos de paisagem, eu destacaria a região de Pinto Bandeira como a mais bela, por ser mais preservada. Menção especial para a Cave Geisse, uma das vinícolas mais bonitas da viagem. Quando em Pinto Bandeira, vale visitar também a vinícola Don Giovanni (pelos excelentes espumantes) e o restaurante Champenoise Bistrô (pelo ambiente e gastronomia).

Onde comer na Serra Gaúcha Fonte: viajandobemebarato.com.br
Onde comer na Serra Gaúcha: Champenoise Bistrô, em Pinto Bandeira
Arquitetura Brasileira: Casa Fontanari Vinícola

ARQUITETURA DAS VINÍCOLAS

O sul do brasil recebeu muitos imigrantes de origem alemã e italiana, principalmente entre os séculos 19 e 20. Por isso, a arquitetura local possui uma forte influência européia. Muitas vinícolas que visitamos apresentam uma arquitetura com referências italianas, como as aberturas com arcos, o uso do tijolo aparente e o predomínio da tonalidade terracota nas fachadas. Muitas delas com heras sobre os muros, como é o caso da vinícola Casa Fontanari, em Caminho das Pedras.

Na vinícola Alma Única, no Vale dos Vinhedos, o acesso é emoldurado por duas fileiras de árvores, uma em cada lado da via.  Essa solução confere monumentalidade ao conjunto.  A simetria prevalece também na arquitetura do edifício, onde além de degustar os bons vinhos, é possível fazer um tour pelas caves.

Vinícola Alma Única Fonte Foto: tripadvisor
Vinícola Alma Única Fonte Foto: tripadvisor

As caves das vinícolas, onde são armazenadas as garrafas em processo de fermentação, geralmente encontram-se no subsolo. A falta de luminosidade e a proximidade com umidade do solo deixam o ambiente mais fresco, ideal para a maturação dos vinhos.

O espumante requer processo um pouco diferente do vinho, que inclui a etapa do ‘degorgement’, o que implica no congelamento do bico das garrafas para a remoção da levedura acumulada durante o processo de maturação. Antigamente, quando não era possível refrigerar com gelo industrial, cabia à arquitetura fazer o papel de congelador.

No caso da Peterlongo, uma das primeiras vinícolas da região, que fica no município de Garibaldi, foi construído um túnel subterrâneo que concentrava o vento frio e congelava as garrafas durante a noite gelada. Na madrugada seguinte, as tampas das garrafas eram prontamente retiradas.

O que fazer em Garibaldi:Visitar a vinícola Peterlongo. Na foto, garrafas de espumante armazenadas na cave Fonte Foto: gazetadopovo.com.br

Na base das edificações – o soco do edifício – é comum o emprego de pedra, material mais resistente à ação da água e à umidade do solo. Na parte superior da fachada, comumente encontramos o uso da madeira. Alguns exemplos dessa solução surgem no tradicional restaurante Casa Vanni e na vinícola Casa Barcarola.

Onde comer na Serra Gaúcha: Restaurante Casa Vanni
Vinícola Barcarola

Mas além destes exemplares mais tradicionais, também encontramos em Bento Gonçalves algumas vinícolas que trazem um casamento entre o antigo e o contemporâneo.  Esse é o caso da vinícola Milantino, que aproveitou parte da estrutura existente do local para as caves e criou um projeto novo, de formas puras, cobertura plana e concreto aparente para o espaço de degustação. O projeto promove o encontro de materiais rústicos, como o tijolo e a madeira de antigos barris, com materiais mais modernos, como o aço e vidro.

Arquitetura Brasileira – Vinícola Milantino. Fonte Foto: botequimdovinho.com.br

Gramado

Em Gramado, a influência europeia permanece também na arquitetura cívica – casas, hotéis, restaurantes, cinemas, igrejas. Observamos no centro da cidade um grande esforço para a preservação desta ambiência e tradição. Mesmo os novos empreendimentos respeitam uma tipologia histórica e a cultura da construção Enxaimel, ou Fachwerk. Essa técnica de origem alemã se caracteriza pelo encaixe de paredes montadas com hastes e tirantes de madeira, preenchidos por pedras ou tijolos.  Os telhados são geralmente inclinados, como os chalés, para não deixar acumular neve na cobertura. Aqui também é comum o uso da pedra na base dos edifícios, para proteger a madeira da umidade do solo.

Arquitetura Brasileira: Prédios no centro de Gramado
Arquitetura Brasileira: Prédios no centro de Gramado

O rigor na preservação dos edifícios antigos e as regras impostas às novas construções contribuem para a harmonia da paisagem urbana.  Fica evidente um respeito com o passado, pois não há um grande contraste entre os prédios novos e os antigos.

Arquitetura Brasileira: Prédios novos mantêm o mesmo estilo da arquitetura tradicional da cidade

Você pode se perguntar: Como que a cidade consegue preservar as suas características ao longo do tempo? Essencialmente, isso é determinado pelo plano diretor, que estabelece diretrizes que orientam os novos empreendimentos da cidade. Segue aqui um trecho da lei que reflete essa preocupação com o patrimônio:

“CARACTERÍSTICAS ARQUITETÔNICAS PREDOMINANTES Art. 96. O Município, em todas as zonas de uso, exercerá o direito de exigir que as construções tenham as “características arquitetônicas predominantes” da cidade, buscando cumprir as diretrizes previstas no presente plano. §1o O Município, através de suas secretarias competentes, com auxílio de historiadores, associação de profissionais da construção civil, conselho de desenvolvimento rural e outros afins, fará um estudo técnico para definir quais são as características que devem ser mantidas, devendo ser observados os aspectos relacionados à colonização da cidade (arquitetura, cultura, costumes, tradições, floreiras, ajardinamento, etc.), bem como as demais normas do presente plano em relação às construções.”

— Lei 3296/2014 – Plano Diretor de Gramado

Essa preocupação com a imagem da cidade contribuí para a construção de uma identidade urbana, fundamental na idealização de um ‘city branding‘.

Gramado e a construção de uma identidade urbana

O termo inglês ‘branding’ se refere à gestão e construção de uma marca. ‘City Branding‘ portanto, seria este conceito aplicado a uma cidade.  Alguns artifícios empregados para o desenvolvimento do ‘city branding‘ incluem campanhas, slogans e logomarcas, além de um projeto de planejamento urbano.

Embora a construção e divulgação destes conceitos seja importante, essas campanhas geram maior resultado quando atreladas a uma transformação real e duradoura, como através do “place-making” – uma técnica que combina arquitetura, desenho e planejamento urbano. Como diz o nome, place-making busca transformar meros espaços em lugares, através da revitalização dos espaços livres públicos existentes, seja pela troca do mobiliário urbano, pela criação de ciclovias, ou mesmo pela redução da velocidade do transito.

Além de apostar na identidade associada ao estilo de suas construções, Gramado também traz vários espaços públicos que se adequam às necessidades do pedestre. Um destes exemplos é a rua coberta, repleta de mesinhas de cafés e restaurante. A cobertura permite uma circulação e socialização até em dias de chuva, sem contar que protege do vento em dias frios.

Rua Coberta em Gramado. Fonte Foto: ladica.com.br

No centro da cidade, a velocidade de circulação dos automóveis é reduzida – 40km – o que torna mais pacífica a convivência entre veículos e pedestres.  Com a baixa velocidade, os motoristas ficam mais propensos a parar nas faixas de travessia elevadas. Essas faixas também são mais agradáveis ao passeio, já que reduzem a velocidade do carro e não obrigam o pedestre a descer um desnível quando atravessa a rua.

Outro fator fundamental para o sucesso do ‘City Branding’ é a cooperação entre o órgão gestor e a população.  O branding da cidade deve contribuir para a auto-estima de seus residentes, fazer com que eles sintam orgulho da sua cidade. Nem todas as cidades tem vocação para serem globais e cosmopolitas. A questão é encontrar e explorar o seu público alvo.  Explorar o potencial urbano para que este se torne um lugar onde as pessoas queiram ir visitar ou mesmo morar.

O êxito de Gramado talvez se deva ao fato da cidade ter investido em diferentes focos de interesse – gastronômico, cultural, arquitetônico, turístico, natureza – o que garante a presença de turistas quase ao longo do ano todo. Mas uma das características que contribuem para o seu sucesso é exatamente o fato de não ser muito grande – 35 mil habitantes. Quanto maior a cidade, mais difícil pode ser designar uma única imagem, uma identidade concisa que abranja o todo.

Cachoeira no Parque do Caracol, em Canela. Fonte Foto: janelasabertas.com