Le Couvent de La Tourette | Le Corbusier
03/01/2012
Éveux

Encerrando esta minha temporada de visitas arquitetônicas pela Europa, decidi fechar esta experiência com chave de ouro, visitando nada menos do que o convento de La Tourette, projeto de Le Corbusier.

A viagem para chegar lá já exige uma certa determinação e comprometimento. De Paris, fomos de TGV para Lyon. Em seguida, pegamos um trem regional para Arbresle e, desta estação, andamos cerca 30 minutos até Éveux, o vilarejo onde se situa o convento.  O trajeto já faz parte da experiência arquitetônica, por isso mesmo, decidimos ir cedo para experimentá-lo sem pressa, percebendo o contexto e sentindo o clima da região. Um passeio pelo campo em meio a vaquinhas, hortas e sítios. A paisagem é coberta por uma manta verde aveludada, conformando os morros no horizonte. Vivenciamos o gradual distanciar dos grandes centros urbanos até chegar no seio da ‘campagne’.

No fim de uma viagem cansativa, chegamos a uma espécie de pórtico, um caminho delimitado por um eixo arbóreo – um espaço de transição. O seu atravessar implica deixar o resto do mundo para trás para uma imersão em um novo universo. Através das folhagens, o objeto começa a se revelar.  Enfim, nos deparamos com um monstro. Uma gigantesca criatura que nesse ambiente sereno, neste belo dia de sol, se impõe violentamente com a sua massa cinzenta e pesada.  E neste conflito, quase agoniante, reina uma paz absoluta.

Fizemos uma reserva para passar a noite nas células do convento.  Sendo assim, fomos pedidos para chegar antes das 17:30 para nos alojarmos e jantarmos com os padres às 19h. Estar entre a congregação, os membros da comunidade, provar o vinho que eles mesmos produzem no local, foi algo muito mais forte do que apenas admirar o objeto a distância.  O espírito do lugar se acentua em cada um desses rituais.

O convento de La Tourette é um espaço para se estar em silêncio. Um antro para a reflexão. O peso do pensar é latente e nos emudece desde o primeiro instante.

“Tentei criar um lugar de meditação, pesquisa e prece para os irmãos. As ressonâncias humanas desse problema guiaram nosso trabalho. (…) Esse mosteiro de concreto aparente é um trabalho de amor. Você não fala sobre ele. É o interior que vive. O essencial está no interior.”

— Le Corbusier
Corredores voltados para o interior do edifício

O edifício se fecha para o contexto, destacando-se do que há ao redor.  A própria tipologia adotada, voltada para o interior, realça uma introspecção, condizente com o clima de retiro espiritual do lugar. Longe da civilização, o clima é de paz.

Coberturas verdes no interior do convento

Um terreno em encosta.  O convento parece um ser estranho, alheio à tudo.  Ele não se integra à topografia; meramente pousa e se mantém, como se na ponta dos pés, tocando minimamente o solo, sustentado pelos seus pilares esbeltamente desenhados.  Embora esta diferenciação do entorno se alinhe com o discurso Corbusiano, esta atitude aqui vem servir um outro propósito: Ela enaltece o espírito do local. O “Genius loci”.

A fim de vislumbrarmos plenamente o edifício, somos obrigados a percorrer o terreno, entrar em contato com a terra, que aqui se encontra em estado bruto, intocada por qualquer projeto paisagístico.

Os acessos em diferentes níveis propiciam um passeio pelo interior do edifício.

As células, onde dormem os membros da congregação

O projeto tirou proveito do que havia de mais moderno em termos de construção civil na época (1956-1960). O concreto armado, símbolo do avanço tecnológico, é posto em evidência. Apesar desta natureza bruta, o preciosismo dos detalhes é tocante.  Diferentes texturas do concreto revelam nuances programáticas. As varandas das células dos padres, por exemplo, recebem uma camada de concreto com britas grandes, criando um padrão orgânico ao longo de toda a fachada. Atribui-se uma textura própria a esse local.

Estrutura aparente. pilar se destaca da parede.

Jogo de luz e sombra
Implantação elevada do edifício permite visibilidade sobre o entorno

Forma segue a função

Percebemos em La Tourette um conjunto de formas extremamente particular. O oratório, por exemplo, localizado no segundo andar, avança sobre o pátio interno. Um cubo opaco, que não se abre para o exterior a não ser por uma deformação em sua cobertura.  Uma chaminé que surge do volume puro.  O vão para a entrada de luz surge, não no cume da chaminé, mas como um rasgo em sua lateral.  A luz entra de forma obliqua, revelando a textura do chapisco nas paredes. Uma entrada de luz difusa e indireta.

Entrada de luz feita por rasgo na lateral.

Entrada de luz difusa revela textura da parede

Todos os espaços ganham vida através da relação com a luz.  Em cada caso, isso é trabalhado de uma maneira distinta. Essas reentrâncias, que filtram e direcionam a luz, dignificam os espaços.  Na igreja, algumas janelas avançam pela fachada, denunciando a sua presença ao exterior, enquanto outras se conciliam na espessura da parede.

E para finalizar, não há como falar deste projeto detendo-se apenas a descrições imagéticas.  É preciso falar do som. O silêncio e o eco.  Assim como não há espaços sem luz, não há espaços sem som. Os espaços amplificam-se, ganham um novo ritmo e uma maior profundidade a cada passo.  O eco do caminhar silencia as palavras. E então, não se ouve mais nada.  A impressão de se estar a sós com o seu pensamento.  O silêncio reverbera.