Documenta e Skulptur Projekte 2017
03/09/2017

2017 será um ano importante e atípico no mundo das artes. Isso porque quatro grandes eventos internacionais de arte acontecem ao mesmo tempo: a Bienal de Veneza, na Itália, Art Basel na Suiça, o Skulptur Projekte Münster (SPM) e o Documenta, em Kassel, ambos na Alemanha.

Diferente da maior parte das feiras de arte, que acontecem com uma frequência anual ou mesmo bienal, as edições do Documenta e do Skulptur Projekte Münster são mais espaçadas – o Documenta ocorre uma vez a cada cinco anos, enquanto o SPM acontece uma vez por década. Essa diferença em temporalidade confere a essas mostras um clima particular.  Cabe ao diretor o desafio de estabelecer uma ponte com a edição anterior e refletir sobre todas as mudanças que aconteceram nesse período, entre uma mostra e outra. Cinco ou dez anos são períodos longos, o que possibilitam portanto uma reflexão mais aprofundada sobre como o mundo se transformou nesse meio tempo – uma reflexão e um distanciamento que uma mostra bienal não consegue ter.

Apresento a seguir um resumo sobre a história dessas mostras e o que tem chamado a atenção nestas edições de 2017.

Skulptur Projekte Münster

Essa quinta edição do SPM contará pela primeira vez com o envolvimento de uma segunda cidade – a cidade industrial de Marl, a 20 km de Münster.  A mostra dedicada a esculturas no espaço público, inclui nesse ano também exemplares de videoarte e performance, e teve curadoria do alemão Kasper König, fundador do evento em 1977.

Das mais de 30 obras espalhadas pelas cidades, a que mais tem chamado a atenção é a instalação “After Alife Ahead”, do francês Pierre Huyghe.  A instalação foi feita no interior de um ringue de patinação de gelo desativado, cuja estrutura já apresenta traços de degradação.

“After Alife Ahead”, do francês Pierre Huyghe. Fonte: news.artnet.com

O chão foi recortado usando um algoritmo lógico, utilizado nos testes de QI.  O recorte da laje de concreto no piso abriu espaço para a criação de uma paisagem artificial, composta por terra e lama. Perante a escala da obra e a força da natureza, o homem se depara com a sua pequenez. Algo que relembra a sensação de deslumbramento e do sublime, já retratado na obra do alemão Casper David Friedrich.

“O Mar de Gelo” (1823–24), pintura de Caspar David Friedrich

Além da criação da paisagem, o artista trouxe vida para o espaço, colocando pavões a mostra numa caixa de vidro e colmeias nos pilares. Duas aberturas zenitais abrem e fecham de tempos em tempos, permitindo a entrada de luz e ar, e consequentemente alterando o ambiente interno. A energia e vitalidade do espaço são capturadas por sensores que transmitem essas informações para incubadoras que contem células de câncer, cujo crescimento é diretamente influenciado pela mudança da temperatura no ambiente.

Essa não é a primeira obra de arte a trabalhar com microorganismos. Em dezembro 2016, para a comissão Hyundai para o turbine hall no Tate Modern, em Londres, o artista Philippe Parreno propôs a mostra ANYWHEN, onde também monitorava o movimento de visitantes e sua influência sobre os microoorganismo no espaço. A taxa de reprodução desses microorganismos provocavam mudanças nas projeções.

Documenta 14

Nesta sua 14ª edição, o Documenta, que geralmente acontece em apenas uma cidade, também se dividiu em duas localidades: neste caso foi Atenas, na Grécia (de abril-julho) e Kassel (entre Junho e Setembro).

A escolha por se dividir em dois países está profundamente relacionada à crise econômica da Grécia e às duras sanções enfrentadas pelo país (muitas delas impostas pela própria Alemanha). A mostra vem com o objetivo de estreitar e refazer o laço entre esses dois países, através da arte e da cultura.

Além disso, a Grécia foi uma das principais portas de entradas dos refugiados na Europa, desde o estopim da guerra na Síria. As obras nesta edição do documenta são em grande parte políticas, com ênfase na questão da imigração.

Apesar desta edição estar particularmente politizada, é válido lembrar que a feira nasceu com um forte cunho político.  Sua primeira edição ocorreu em 1955, apenas 10 anos após o fim da segunda guerra.  Fundado pelo curador Arnold Bode, a feira originalmente foi parte do Bundesgartenschau (Federal Garden Show), tinha o objetivo de inserir a Alemanha no circuito de arte internacional e deixar a repressão do nazismo para trás. Suas primeiras edições contaram com obras apenas de artistas europeus e incluíram trabalhos de artistas que Hitler desaprovava, rompendo com o passado sombrio e caminhando para um novo momento. Aos poucos, o Documenta foi se abrindo para artistas de outros continentes. Participaram da primeira mostra artistas como Picasso e Kandinsky e, em edições mais recentes, artistas como Joseph Beuys e Gerhard Richter.

Entre as obras emblemáticas desta 14ª edição, está o Parthenon de Livros em Kassel, que faz alusão ao berço da cultura grego. A artista argentina Marta Minujín criou uma réplica do Parthenon, constituído por livros proibidos ou censurados ao longo da história – um símbolo da repressão política. A obra já tinha sido montada antes em Buenos Aires, em 1983, e foi novamente apresentada nessa edição da Documenta. O trabalho participativo contou com a doação de livros de diversas editoras.

Marta Minujín: El Partenón de libros, Buenos Aires, 1983. © Photo: Marta Minujín archive Fonte: u-in-u.com

Apesar da influência do evento e engajamento político, surgiram várias críticas à documenta deste ano. Em artigo na sleek mag, a editora Jeni Fulton critica a falta de explicações, justificativa ou mesmo clareza nas sinalizações e nos rótulos dos trabalhos em exposição. Muitas delas sequer indicam o nome do artista ou título da obra. Essa falta de informação intencional por parte da curadoria demonstra, segundo ela, uma falta de respeito para com os visitantes e com os próprios artistas.

A escolha pela Grécia em um momento de ‘desencanto’ do ocidente – desencanto com a política, com a economia – é especialmente simbólico, visto que a Grécia é o berço da cultura, onde surgiu a democracia.  Como perguntou Ronaldo Lemos em artigo para a Folha, seria a arte a resposta para salvar o desencanto do ocidente?