Conhecer a cidade correndo | o olhar de uma arquiteta
28/04/2019

Há alguns anos a corrida vem adquirindo uma maior importância na minha vida. Além de ajudar a manter a forma e renovar as energias, a corrida te permite ver a cidade com novos olhos. Conhecer cantos nunca antes visitados, explorar as redondezas e assumir um novo ritmo para percorrer o espaço urbano. Se você gosta de viajar, a corrida te proporciona também com um bom primeiro reconhecimento do local.

Foto tirada da Largada da São Silvestre de Lisboa 2018, em uma via geralmente fechada apenas para carros.

As provas de rua são especialmente interessantes nesse sentido pois, dependendo do percurso, você tem a oportunidade de passar a pé por lugares que em qualquer outra situação você só teria acesso de carro, como pontes ou viadutos. Na meia maratona do Rio de Janeiro, por exemplo (que eu tive a oportunidade de participar em 2014), o elevado do Joá, que era exclusivo para carros, fechava para a passagem dos corredores. A temporalidade do passo da corrida é diferente do carro, o que te permite avistar a paisagem e apreciá-la com mais calma do que quando você está em um automóvel.

Senti o mesmo na Corrida São Silvestre de Lisboa, que eu corri em 2018. A Avenida da Liberdade e a Rua Aúrea, por onde passaram os corredores, possuem calçadas para os pedestres mas estes sempre ficam restritos às laterais da via. Poder correr no centro da rua te traz uma nova perspectiva. Você avista a avenida do meio, um ponto de vista que você não tem nem de dentro do carro (a não ser que você dirija um conversível).

Dependendo do percurso e do lugar, eu até gosto de parar, tirar uma foto e aproveitar o momento. Esse foi o caso na foto abaixo, que tirei do planetário Galileu Galilei na meia maratona de Buenos Aires (2015).

Foto tirada do planetário Galileu Galilei durante o trajeto da meia maratona de Buenos Aires, 2015

Para os que gostam de correr grandes distâncias, você começa a perceber que, além de um bom preparo físico, você precisa estar também com a mente preparada. Você precisa ser calmo o suficiente para aguentar horas de esforço mas não se deixar entediar para não querer parar no meio. O segredo está em encontrar um equilíbrio mental para não pensar exclusivamente na dor (porque em provas longas inevitavelmente o seu corpo vai doer). A corrida não trabalha apenas os músculos mas a mente também.

XCRUN Buzios (2014) , uma corrida que intercala estradas de paralelepípedo, terra, trilhas e praias.

A corrida já foi tema de várias publicações. A seguir, uma seleção de títulos sobre o assunto que li e recomendo:

Do que eu falo quando eu falo de corrida, Haruki Murakami (o olhar do escritor)
Em seu livro, Murakami relata que durante anos ele corria diariamente 10 quilômetros e anualmente uma maratona. Para ele, a corrida era um momento contemplativo. Como ele mesmo estabelece os seus horários de trabalho, a corrida ajudava-o a estruturar a sua rotina e oferecia ao escritor momentos de contemplação e inspiração para a sua escrita. Sendo a escrita e a corrida atividades igualmente solitárias, ele considerava que uma ajudava a outra. Murakami também se considera uma pessoa fechada. A corrida se adequava ao seu jeito de ser, sobretudo considerando que em provas de grandes distâncias, você nunca está competindo com o outro (a exceção dos atletas de elite) mas sim, tentando superar a si mesmo, as suas próprias limitações.

Correr – O exercício, a cidade e o exercício da maratona, Dráuzio Varella (o olhar do médico)
O livro de Dráuzio intercala histórias pessoais do médico com resultados de estudos acerca dos efeitos da corrida para a saúde. Draúzio relata que só começou a correr maratonas aos 50 anos de idade e que, desde então, já participou de mais de 20 maratonas em diferentes países. Ele dá dicas valiosas sobre hidratação e certos cuidados, aponta as vantagens da corrida e desmistifica certos ditos sobre lesões e problemas relacionados a corrida. E mostra que até um maratonista experiente pode cometer erros de iniciante pelo excesso de confiança ou pela distração de não se preparar direito para uma prova.

Nascido para Correr, Christopher McDougal (o olhar do jornalista)
Já o livro de McDougal tem uma proposta quase investigativa. Ele parte da pergunta: “Porque o meu pé doi?” A partir daí, ele vai em uma série de consultas médicas a fim de entender o porquê do seu pé doer com a corrida, mesmo ele correndo poucos quilômetros. Sua busca o leva a tribo Tarahumara, composta por índios super corredores, que ultrapassam qualquer ultramaratonista. Mcdougal elabora sobre os efeitos da corrida no corpo, sendo essa uma das únicas atividades que geram dor e prazer ao mesmo tempo. Uma atividade que te permite extravasar o estresse e a energia e que ao mesmo tempo que te deixa mais feliz. Ele inclusive levanta o interessante dado de que a corrida adquiriu maior força nos Estados Unidos sobretudo em épocas de crise: Durante a grande depressão de 29, nos anos 70 – na época da guerra do Vietnam – e mais recentemente em 2002, o ano seguinte aos ataques de 11 de setembro. Parece que em momentos de tristeza, muitos encontram consolo na corrida!

Por fim, gosto da corrida porque sinto que é um esporte democrático – você não precisa de equipamentos caros ou muitos acessórios para praticar. Tudo o que você precisa é de um tênis, uma rua e vai embora!

Mariana Magalhães Costa