Concurso Archifolies, Paris
09/09/2024

Em 2022, o Ministério de Cultura da França lançou um concurso para as 20 escolas de arquitetura do país (as ENSAs), convidando os seus alunos a conceberem pavilhões que seriam expostos em Paris durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2024. Cada escola deveria projetar um pavilhão para um esporte distinto. O projeto, assim como a sua construção, ficava sob a responsabilidade dos alunos, que contavam com a orientação de alguns professores da instituição. Todos os pavilhões tinham as mesmas restrições em termos de orçamento, área e cronograma, e diretrizes em comum, como o uso de materiais sustentáveis e a acessibilidade. 

Os pavilhões foram expostos no Parque La Villette, um projeto do arquiteto Bernard Tschumi. Um elemento característico do parque são as ‘folies’ (tradução para o português : folias ou loucuras). Essas são pequenas edificações de cor vermelha cujo nome inclusive inspirou o título do concurso (Archifolies). Os pavilhões deveriam dialogar com as ‘folies’ existentes, respeitando inclusive a altura máxima permitida, estabelecida pelas mesmas.

Archifolies no Club France durante as Olimpíadas

A exposição das archifolies recebeu o selo ‘olympiade culturelle’, uma certificação atribuída a eventos culturais com temas relacionados às Olimpíadas, realizados na França, antes ou durante os Jogos. Os archifolies foram abertos à visitação de 14 de Junho a 7 de Julho e depois de 28 de Agosto a 3 de Setembro. 

Eu visitei os archifolies em duas ocasiões – durante os jogos olímpicos e durante as paralimpíadas. Durante os Jogos Olímpicos (27 de Julho à 11 de Agosto), os archifolies foram incorporados à área do Club France, um espaço dedicado à transmissão de jogos da França e com outras programações, como shows, e pontos de alimentação. Nestas duas semanas, os archifolies foram ocupados pelas federações de cada esporte, então incluíam exposições e atividades relacionadas aos respectivos esportes. O Club France era aberto ao público e custava 5 euros para entrar.

Já durante as paralimpíadas, o Club France foi reduzido de tamanho e os archifolies ficaram do lado de fora. Com isso, o acesso era aberto e gratuito. Havia apenas seguranças na entrada que faziam uma vistoria das bolsas dos visitantes. Nesse momento, as exposições das federações já tinham sido desmontadas, então era possível observar a arquitetura sem estas intervenções. No segundo dia em que visitei, eu participei de uma visita guiada pelo Conseil d’architecture, urbanisme et environnement (CAUE), de Paris. Chovia bastante, então pelas fotos é possível notar a diferença do tempo.

A seguir, uma seleção de alguns projetos dos pavilhões:

Skate – ENSA Montpellier

A escola de Montpellier ficou responsável pelo pavilhão do skate. Por este ser um esporte urbano, foram escolhidos materiais característicos deste ambiente, como blocos de concreto e andaimes. O interessante desta solução é que este se tornou um pavilhão fácil de montar e, após o evento, será desmontado e todo o material será reutilizado. Praticamente, não há desperdício de resíduos. A tela branca assume uma forma que remete à rampa do skate park.

Exposição no interior do pavilhão do skate

Ginástica – ENSA Saint Etienne

O pavilhão de planta redonda é composto por uma estrutura de madeira e revestido por uma tela branca que remete à cama elástica da ginástica. O espaço no centro foi deixado vazio para a realização de demonstrações durante o evento.

pavilhão ginástica
Centro vazio para a realização de demonstrações

Rugby – ENSA Toulouse

A arquitetura do pavilhão de Toulouse buscou inspiração no campo do rugby. O pórtico da entrada se assemelha à trave e aos postes de gol. A planta em formato de U se assemelha à do estádio, e os bancos de madeira foram sobrepostos como as arquibancadas. O espaço vazio no centro permitia tanto a realização de demonstrações quanto tentativas de chutes à gol. 

Pavilhão de rugby

A estrutura era em madeira e as paredes eram preenchidas por tijolos. A escolha do tijolo é uma referência à arquitetura típica de Toulouse, conhecida por ser a cidade rosada da França. Os tijolos foram perfurados e, no interior, passam varas que atribuem maior rigidez ao conjunto. 

Detalhe da estrutura
Vista dos fundos do pavilhão

Basquete – ENSA Lille

Pavilhão de Basquete

Construído com bambu local, proveniente da região de Limoges. A estrutura leve se assemelha a uma árvore. Os autores do projeto optaram por deixar o espaço livre para que os visitantes pudessem transitar à vontade e apreciar a exposição. Como não era permitido furar o gramado para fazer uma fundação, a fixação do pavilhão se deu pelo uso de estruturas de muro gabião, que foram preenchidas por bolas de basquete e sacos de areia. 

Estrutura central em bambu se assemelha a um guarda-chuva ou a uma árvore

Badminton – École Spéciale d’Architecture

Inspirado pela leveza do esporte, os materiais escolhidos nesse caso foram a madeira e lona de balão reciclada. A estrutura da cobertura é redonda, remetendo à forma da raquete.

Pavilhão de Badminton

Break dance (título: “Break the Cube”) – ENSA Lyon

Paris 2024 foi a primeira edição dos Jogos em que o breaking foi uma modalidade olímpica (algo que não será repetido em Los Angeles 2028). ENSA Lyon fez o pavilhão para a federação francesa da dança. O pavilhão é pequeno em comparação com os demais pois foi uma decisão do projeto deixar uma grande área externa para a realização de demonstrações.

Pavilhão de break dance

A estrutura é uma trama de madeira fixada com um sistema de pinos. É um cubo quase perfeito, sendo que uma das quinas foi girada do eixo. A ideia desse gesto foi transmitir o dinamismo do break-dance. Como se o cubo fosse rompido pelo poder da dança (Break the Cube). Esse giro foi desenhado com a ajuda do software rhinoceros e o plug-in grasshopper, que os alunos utilizaram para modelar o movimento dos dançarinos.

Área externa para demonstrações

Escalada – ENSA Paris Est

Como os pavilhões não podiam ter fundação, os alunos precisavam encontrar soluções para estabilizar e contraventar a estrutura sem furar o gramado. No caso do pavilhão de escalada, era necessário contrapor o peso do muro. Para isso, foi construída uma pérgola horizontal, uma treliça em madeira identica à que sustenta o muro. O conjunto também é estabilizado pelo uso de sacos de areia na base.

Pavilhão Escalada

Surf – ENSAM Réunion 

As provas de surf foram realizadas no Tahiti mas foi a escola da Reunião , outra ilha dos territórios além mar da França, que foi convidada para conceber o pavilhão do surf. A ENSAM Réunion é um braço da escola de arquitetura de Montpellier. O pavilhão buscou enfatizar como o surf é um esporte intrinsecamente ligado à natureza.

A estrutura leve é composta por bambu, combinado com impressão 3d.

O espaço foi organizado em torno de um eixo central composto por uma estrutura de 24 bambus. Na base desta estrutura, há um banco de concreto produzido por impressão 3d. Esse banco ancora a estrutura graças ao seu peso. As formas curvas remetem ao movimento das ondas.

10 novos pés de bambu foram plantados no local de origem, compensando a pegada de carbono deste pavilhão por 10 anos.

É preciso levar em consideração que, por conta da distância, a escola de Reunião teve um cronograma mais restrito que os demais. Eles tiveram que terminar o projeto e construir o protótipo meses antes para enviá-lo de navio. As peças que chegaram para a montagem vieram todas numeradas já que os alunos tinham poucos dias no local para construí-la.

Vela – ENSA Marselha

Marselha acolheu as provas de Vela dos Jogos Olímpicos de Paris 2024. O pavilhão reutiliza materiais provenientes de barcos olímpicos e seu design faz referência ao universo naútico. A ideia para o momento pós-jogos é que o pavilhão se torne itinerante e acompanhe a federação em diferentes eventos de Vela. 

Remo – ENSA Nancy

Este pavilhão foi concebido por uma equipe multidisplinar. Os pilares inclinados fazem referência ao movimento dos remos enquanto as bases se assemelham às plantas de barcos. A disposição assimétrica nos faz sentir que estamos na água, no meio de uma corrida de remo. 

Pavilhão Remo
A base dos pilares parece um barco
Pilares de madeira de demolição inclinados 

Os pilares são de madeira de demolição, proveniente de uma antiga igreja. A junta complexa desses pilares foi possível graças a um ‘nó’ construído em camadas de madeira, num processo chamado ‘strato conception’. Esse nó é fruto do trabalho de pesquisa de Victor Fréchard e desenvolvido por  Mohamad Anwar Nehawi no projeto ‘Stratobois’. 

‘Nó” que faz a junta da estrutura

As fôrmas que sobraram do corte à laser na construção dos ‘nós’ foram reempregadas para decorar a cobertura.  

Pavilhão remo

Esgrima – ENSA Paris Malaquais

O desenho do pavilhão buscou inspiração no movimento do florete, arma da esgrima, Os módulos das arquibancadas são compostos por metal corrugado e foram produzidos pelos alunos na própria escola. O espaço livre no solo foi utilizado para a exposição da federação de esgrima. Na lateral, podemos observar um perfil do modulor lutando esgrima.

Pavilhão Esgrima decorado durante os Jogos Olímpicos
Pavilhão de Esgrima

Boxe – ENSA Paris Val de Seine

Entrada do Pavilhão do Boxe

Trama de madeira. Foi desenvolvido um percurso para que o visitante começasse num ponto mais baixo e escuro e gradualmente caminhasse em direção da abertura de luz. A trama permite um jogo de cheios/vazios e claro/escuro neste percurso.

Pavilhão do boxe visto do interior, com o pavilhão de esgrima ao fundo

Triathlon – ENSA Strasbourg

Os arquitetos exploraram a relação deste esporte de três modalidades com a forma geométrica do triângulo. A madeira utilizada na construção é proveniente das florestas de Vosges. As juntas são em aço e o teto em zinco. No centro do pavilhão, um móvel com planta em L servia para a fixação de telas e equipamentos para exposição e demonstração do esporte. 

Pavilhão do Triathlon durante os Jogos Olímpicos
Pavilhão do Triathlon durante os Jogos Paralímpicos

Ciclismo – ENSA Clermont Ferrand

A planta em círculo é inspirada pela roda da bicicleta. Pavilhão em madeira com proveniência local, do Maciço Central da França. A estrutura é sustentada por 12 pilares, alguns deles conciliados dentro da parede curva. Pedras vulcânicas ancoram a estrutura no chão e proporcionam contraventamento. 

Pavilhão do ciclismo
Interior do pavilhão
Vista lateral

Atletismo – ENSA Belleville

Este pavilhão propõe um percurso em 3 momentos, cada um representando uma modalidade do esporte – corrida, salto e lançamento. Além da madeira, alguns dos materiais são reutilizados, como as placas de carbono reaproveitadas de um avião Airbus A380, utilizadas na cobertura, e o revestimento de antigas pistas de atletismo. A cobertura foi construída na altura de 6,23m, antigo recorde do salto em altura. Nos Jogos de Paris 2024, esse recorde foi batido pelo sueco Armand Duplantis e passou a ser 6,25m. Desde então, ele bateu o próprio recorde em Chorzów, que passou a ser 6,26m.

Pavilhão Atletismo

Pentathlon – ENSAP Bordeaux + École Supérieure du Bois de Nantes

O pentathlon é um esporte que inclui 5 modalidades : esgrima, natação, hipismo, tiro e corrida. O projeto faz um paralelo entre os cinco esportes e os cinco sentidos, criando um percurso expográfico que passa por cada um deles. Os materiais empregados são madeira (pin douglas/pinheiro-do-oregon), painéis OSB e bambu. O tecido branco da cobertura protege o visitante das intempéries e unifica os espaços.

Pavilhão Pentathlon
Percurso expositivo
Percurso expositivo

Hipismo – ENSA Versalhes

Faz sentido a escola de arquitetura de Versalhes projetar o pavilhão do hipismo, visto que que a escola é localizada nas antigas cocheiras reais do Palácio de Versalhes. O material principal escolhido aqui foi a palha estrutural. Blocos de palha foram empilhados sob uma estrutura de treliça em madeira que arremata e garante estabilidade ao conjunto. Para garantir uma maior estabilidade, foram colocados uns cintos que amarram os blocos de palha entre si. Ao adentrar, é possível perceber um silêncio, graças ao isolamento acústico proporcionado pela palha. Há uma abertura zenital redonda que permite uma entrada de luz natural.

Pavilhão do hipismo
Abertura zenital
Exposição no interior
Exposição no interior

Conclusão 

Como a maioria das escolas não fica em Paris, os alunos das diferentes escolas vieram para a capital e tiveram um prazo curto para construir tudo. Por isso, muitos fizeram uma construção teste em suas próprias escolas, tomando o cuidado para não danificar o material que seria reutilizado na construção final. As escolas mais distantes, como a da ilha da Reunião, por exemplo, tiveram que enviar o material com maior antecedência. 

Nem todas as escolas de arquitetura da França participaram (Rouen por exemplo, não quis participar) e nem todos os esportes foram representados (como judô, natação, etc), pois há mais de 20 federações. Do mesmo modo, nem todos os pavilhões já têm um destino definido. Alguns serão reconstruídos nas sedes das federações (como o caso do pavilhão de Rugby, de Toulouse) e outros serão itinerantes (como a da Vela, de Marselha), mas alguns ainda seguem indefinidos. 

Archifolies durante as Paralimpíadas. O primeiro pavilhão é do Skate

Achei esse um belo exercício para envolver os estudantes de arquitetura neste mega evento esportivo. Uma oportunidade de desenvolverem projetos para clientes (as federações, comitê olímpico nacional e o ministério da cultura), aprenderem a construir com materiais sustentáveis e a considerar toda a logística da montagem e o ciclo de vida do pavilhão. 

Vale destacar que o parque de La Villette também foi o parque das nações durante as olimpíadas, acolhendo casas temáticas das diferentes nações como Brasil, Índia, Slovákia, Países Baixos, África do Sul e colômbia. Achei apenas uma pena que a maioria dessas ficou aberta apenas durante os jogos olímpicos e não continuou durante as paralimpíadas.

Archifolies durante as paralimpíadas

Referências

ENSA Belleville , Acesso 09/09/2024

ENSA Nancy, Acesso 09/09/2024

Culture.gov.fr , Acesso 09/09/2024

Vídeo Archifolies , Acesso 08/09/2024

ENSA Lyon, Acesso 09/09/2024