A destruição provocada pela segunda guerra mundial resultou em um imenso déficit habitacional na Europa. Por isso, no final dos anos 40, foi iniciado um movimento de construção de moradias coletivas em diversos países. Foi nesse contexto que o então ministro francês Raoul Dautry encomendou a Le Corbusier um projeto que pudesse ser um protótipo para um novo tipo de habitação social em grande escala. O arquiteto projetou a Cité Radieuse, também conhecida como a Unité d’habitation de Marselha, um projeto icônico para o movimento moderno e para a história da arquitetura.
Construída entre 1947-52, a unité de Marseille conta com 337 apartamentos de 23 tipologias diferentes (ver diagrama abaixo).
O acesso às tipologias é feito por corredores largos, que servem como ‘ruas internas’. Ao criar essa circulação única, o projeto propicia o encontro. Isso contribui para gerar um senso de comunidade entre os moradores. Por ser bem no seio do prédio, estas ruas internas não desfrutam de luz natural. A luz natural é priorizada nas unidades residenciais. São células de dois níveis que atravessam o prédio no sentido leste-oeste (passando por cima ou por baixo do corredor). Cada unidade poderia abrigar até 10 pessoas.
Para quem tiver interesse em visitar uma célula, há um apartamento modelo em exposição permanente na Cité de l’Architecture, em Paris.
A Unité d’habitation reúne alguns dos principais conceitos da arquitetura de Le Corbusier: o Pilotis, que afasta o prédio do chão e libera o espaço do térreo; a cobertura-terraço, um espaço que inclui equipamentos para a realização de atividades coletivas, como a piscina ou o ginásio; a planta livre, que combinada com a janela em fita, permite a incidência da iluminação natural pelo ambiente interno.
O prédio é fino e vertical, o que também contribui para um maior aproveitamento da luz do sol. Os brise-soleils verticais na fachada controlam e filtram a incidência direta da luz para uma iluminação mais suave no interior.
A estrutura é em concreto armado, que foi deixado em seu estado bruto. O processo construtivo é enfatizado pelas marcas das formas aparentes na estrutura, um registro do processo de concretagem. O uso da estrutura em concreto armado também libera a fachada, ocasionando nas janelas em fita e na maior entrada de luz. A luz é um tema recorrente porque essa era de fato uma questão prioritária para o arquiteto.
Hoje, além das moradias, encontramos outros usos no prédio como hotel, restaurante, café, livraria, escritórios de arquitetura e até mesmo galeria de arte.
Em 2013, o designer francês Ora Ito inaugurou na cobertura da Cité Radieuse o espaço de arte contemporânea MAMO (Marseille Modulor). Desde a inauguração, artistas como Daniel Buren e Dan Graham já foram convidados a ocupar o espaço e desenvolver uma exposição específica para o local durante os meses de verão. Em 2022, quando eu visitei, a exposição era “Basket du Modulor”, do artista Daniel Arsham.
Tempo, espaço e destruição são temas recorrentes no trabalho de Arsham. Ele apresenta algumas esculturas em bronze envelhecido na área externa da cobertura.
Outro tema recorrente em sua obra é o esporte. Sendo assim, Arsham criou na área interna uma quadra de basquete e também uniformes para um time, utilizando as cores e símbolos característicos do Corbu, como o sol e a mão.
Após a unidade de Marselha, quatro outras Unités de Habitation foram construídas nos anos seguintes: em Nantes-Rezé (1953), Berlin (1957), Briey en forêt (1959) e Firminy (1965). Listada como Patrimônio Mundial da Unesco em 2016, a Cité Radieuse está localizada no bairro de Sainte-Anne, 280 boulevard Michelet.