Nestas próximas semanas, a cidade do Rio de Janeiro está cinematográfica. Além do Festival do Rio, que acontecerá entre os dias 06 e 16 de Outubro, começou ontem a mostra ‘Arq.Futuro – A Cidade e o Cinema’, que traz uma seleção de filmes sobre arquitetura e cidades. A inauguração da mostra contou com a exibição do filme “A competição”, um documentário que acompanhou os escritórios de Jean Nouvel, Zaha Hadid, Dominique Perrault e Frank Gehry no desenvolvimento de uma proposta para o concurso de um museu em Andorra (trailer do filme abaixo).
A mostra, que segue até o dia 05 de Outubro, conta ainda com filmes clássicos sobre a arquitetura no cinema, como “Playtime”, de Jacques Tati, e documentários como o “The Human Scale”, que já foi assunto no blog no texto: A escala humana de Melbourne
A relação entre arquitetura e cinema
A arquitetura e o cinema se aproximam em muitos sentidos. São formas de arte distintas, que se expressam através de mídias diferentes, porém utilizando recursos e processos semelhantes. A arquitetura articula o espaço através da situação, da escala e luminosidade, articula o tempo por meio do ritmo do percurso – o alentamento, as paradas, a reversão – todos efeitos de equivalente importância para a expressão cinemática. Essencialmente, ambas as artes trabalham com imagens e com a sucessão das mesmas, o que as diferencia é que no cinema estas se dão em um plano bidimensional, dentro do qual o observador não pode penetrar. No cinema, o espectador é um ‘voyeur’, enquanto na arquitetura é o próprio visitante quem determina o seu percurso. O cinema lida com a visão e a percepção mental, enquanto a arquitetura age sobre o físico. Com isso, o cinema desfruta de uma maior liberdade criativa. O cinema é capaz de criar ilusões, mundos fictícios enquanto a arquitetura se detém na realidade.
No cinema, assim como na literatura, o espectador pode assumir um papel ativo na criação deste mundo irreal. O espectador assume o papel de arquiteto. O cinema estabelece a moldura, e cabe ao espectador imaginar o que acontece para além dos limites da tela. Incitada por fragmentos de cenas urbanas, a cidade emerge aqui como uma extensão psicológica, mapeada de forma intuitiva, afastando-se da chamada ‘realidade concreta’.
A arquitetura, em sua essência, é o abrigo. Sua função primordial é oferecer um refúgio das intempéries, é elemento condicionante para a existência humana. Ela absorve e, consequentemente, reflete a cultura local, tornando-se um objecto vital para o estudo de uma época. A arquitetura nada mais é do que a grande vencedora do esquecimento humano, pois nela estão impressas as nossas memórias, a nossa história. Podemos dizer o mesmo para o cinema? Não seriam os objetivos e propósitos de ambas as artes essencialmente os mesmos?
Projetar é fazer cinema
Podemos considerar, de certo modo, que uma arte complementa a outra. O cinema preenche as lacunas da arquitetura, e vice-versa. Seria o cinema a mídia encontrada pela arquitetura para lançar vôos mais altos, obter a sua tão desejada liberdade criativa, cerceada pelas leis do mundo real? Ou, por outro lado, seria a arquitetura o ponto em que os desejos do cinema deixam de ser um devaneio e tornam-se uma realidade concreta? Estaria a compreensão de uma disciplina necessariamente atrelada a uma leitura da outra? Se projetar é adentrar, percorrer espaços, prever surpresas e observar diferentes ângulos, fazer cinema não seria a mesma coisa?
Não é à toa que arquitetos buscam inspirações no cinema e diretores de cinema na arquitetura. A arquitetura e o cinema lidam com as mesmas questões e os mesmos recursos, porém em contextos e com propósitos diversos. Podemos considerar o cinema não como um espelho, mas sim como um prisma para a arquitetura – através dele não obtemos um reflexo, mas sim uma nova maneira de observar e pensar a arquitetura.