Bienal de Arte 2015 | Veneza, Itália
19/11/2015

Sob a curadoria do nigeriano Okwui Enwezor, o tema da bienal de arte de Veneza deste ano foi “All the World’s Futures”.  Durante a minha passagem relâmpago pela cidade, eu não consegui ver toda a bienal, que além de incluir a mostra no ‘arsenale’ e os pavilhões de mais 29 países no ‘giardino’, ainda conta com uma série de exposições paralelas espalhadas pela cidade. Para visitar a bienal com calma, eu diria que pelo menos dois dias seria o ideal.  Nesta minha visita, priorizei a visita aos pavilhões do giardino.  Faço aqui uma seleção dos 5 melhores pavilhões deste ano e uma breve descrição de cada um.

Pavilhão Japonês

O pavilhão do Japão trouxe uma intervenção da artista Chiharu Shiota, japonêsa radicada em Berlim.  Sob o nome “The Key in the Hand” (A chave na mão), a instalação era composta por três elementos distintos: a chave, a canoa e a linha vermelha. A chave e a canoa simbolizam a memória: a chave porque ela liga as pessoas umas às outras e a canoa porque ela liga as pessoas aos lugares.  As linhas vermelhas surgem como fio conector, ligando estes dois elementos entre si.  O desenho formado pelas linhas vermelhas gera um corredor emoldurado, uma espécie de túnel. As chaves entrelaçadas ao longo das linhas foram coletadas pelo artista em viagens por diferentes países.  Em sua essência, a obra fala sobre tempo e memória.  Uma instalação que nos envelopa por completo. O resultado é sensível e contundente.

 

 

Chaves coletadas pelo mundo

Pavilhão Escandinavo (Noruega, Finlandia e Suécia)

Intervenção de Camille Norment assume a forma de molduras, que se assemelham às esquadrias do pavilhão.

Belíssimo exemplar de diálogo entre arte e a arquitetura.  O que averiguamos na intervenção de Camille Norment para o pavilhão da escandinavia é praticamente uma simbiose entre a arte e a arquitetura.  A artista criou molduras com dimensões semelhantes às esquadrias do edifício. Ela então dispôs essas molduras próximas das fachadas envidraçadas, porém inclinadas, amontoadas umas sobre as outras como se estivessem jogadas.  Entre elas, verificamos ainda pedaços de vidro estilhaçados pelo chão.  Em alguns casos, as arestas destas molduras jogadas se alinham com a estrutura das janelas do pavilhão. Adquirimos então a impressão de que estas molduras, que foram ali colocadas, surgem do próprio edifício. Essa disposição nos dá a impressão de que elas estiveram lá o tempo todo, que realmente fazem parte do conjunto. Com isso, a nossa percepção do edifício e de seus limites é modificada.  Ao mesmo tempo em que temos uma sensação de revolta ao nos depararmos com essas estruturas quebradas, a semelhança das molduras com o edifício transmite uma sensação de harmonia no conjunto.  A obra gera uma tensão e uma harmonia simultaneamente.

 

Molduras se assemelham às esquadrias do prédio, há uma harmonia entre a inserção e o existente

Ao adentrarmos mais no interior do pavilhão, nos afastamos dessas molduras anguladas e chegamos a um espaço vazio, sem barreiras físicas, mas com alto-falantes gigantescos que se projetam do teto.  Aqui, a ambiência não é mais criada por barreiras ou elementos físicos, e passa a ser criada apenas pelo som.  Ultrapassando as primeiras barreiras, adentramos um espaço de contemplação.

Som cria a ambiência no interior do pavilhão

Pavilhão Francês

Céleste Boursier-Mougenot trouxe uma árvore que se move para o pavilhão francês.  A artista criou uma simbiose entre a natureza e a máquina. Deparamo-nos com uma espécie híbrida, fruto da natureza com a intervenção humana.  A árvore cinética foi colocada no ambiente central do pavilhão, sob uma claraboia.  Os ambientes ao redor tiveram o seu chão coberto por um estofado macio (que à primeira vista parece feito de pedra) para que os espectadores possam sentar e relaxar, contemplando a árvore no centro.  Além dos estofados, essas salas possuem alto falantes que ampliam o som do motor que move a árvore.  Ou seja, aqui, o zumbido gerado pela tecnologia é o ruído constante que transmite a paz e cria uma ambiência quase meditativa.  A serenidade que as pessoas buscam na natureza são recriados aqui pela tecnologia.

Pavilhão Holandês

O pavilhão holandês seguiu uma tendência que eu particularmente gosto muito e considero inclusive muito pertinente ao momento atual.  Como falei no post anterior, a Expo Universal de Milão deste ano trouxe o tema de alimentação.  Em sintonia com essa discussão, o artista Herman de Vries, em sua mostra intitulada “to be all ways to be”, reúne obras que apresentam materiais e alimentos em sua essência.  Entre elas encontramos uma série de quadros com pigmentos de diferentes países, uma série de paisagens constituídas a partir de ramos de trigos, uma composição de botões de rosa seca expostos no chão e uma coleção de foices, simbolizando o movimento, manipulação humana da terra.  O interessante desta mostra é que ela traz ao espaço expositivo elementos muito ligados a terra, reforçando essa crescente consciência de contato e retorno a natureza, a importância de uma postura cada vez mais sustentável.   A obra de De Vries ressalta a união e, ao mesmo tempo, a diversidade entre estes elementos.  As nações se unem em suas semelhanças, porém também em suas diferenças, suas particularidades e complementariedades.

Composição com botões de rosa seca
Quadros com pigmentos de diferentes países
Paisagens constituídas a partir de ramos de trigos

Pavilhão da Romênia

Em uma expo de soluções high tech e obras que exploram a espacialidade, uma série de pinturas parece algo do passado, ‘out-of-date’. De fato, a pintura já foi muito explorada ao longo da história da arte e, por ser uma linguagem tradicionalmente estabelecida, é mais difícil de inovar nela. Não é de se surpreender, portanto, que as pinturas estão se ausentando das mostras de arte contemporânea, ou pelo menos, já não ocupam o papel central. Por isso mesmo, a atitude do pavilhão da Romênia consegue ser ao mesmo tempo corajosa e despretensiosa.

Pintura de Adrian Ghenie

O pavilhão reúne 20 quadros do artista Adrian Ghenie, que olha os desenhos e os estudos de Charles Darwin sobre um prisma considerando a história do século 20.  O resultado é uma coleção bela e contundente, retratando figuras históricas marcantes (como Hitler, Lenin, van gogh…), protagonistas e anti-heróis num contexto abstrato e distorcido.

Bônus:

Pavilhão Finlandês

Construído em 1956, o pavilhão finlandês foi idealizado como uma estrutura temporária só para a exposição daquele ano.  O pavilhão permanece desde então. Projetado por Alvar Aalto, o pavilhão é composto por uma estrutura de madeira e foi inteiramente confeccionado na Finlândia.

Pavilhão de Israel

Tsibi Geva faz uma intervenção que explora um tema recorrente de sua obra – a ideia do lar, do corpo e do cotidiano.  Sob o tema ‘arqueologia do presente’, o artista utiliza objetos do cotidiano e faz uma intervenção que vai além dos limites físicos do pavilhão israelense.  Ele cobriu as fachadas com pneus de borracha, e no interior cobriu as paredes com elementos que vão desde eletro-domésticos e esquadrias a caixas de papelão.  Além dessa composição, há também pinturas.

Pavilhão Húngaro

A mostra “Sustainable Identities” de Szilárd Cseke traz uma instalação que ocupa todo o teto do pavilhão.  O visitante passa por baixo de uma estrutura de tubos de PVC com esferas internas que ficam se locomovendo a partir de ventiladores.  O movimento dessas bolas representa a transitoriedade das coisas e o movimento das pessoas.  Um assunto pertinente sobretudo nesse momento de discussão política acerca da imigração.

A Bienal de Arte de Veneza é uma excelente oportunidade para se familiarizar com obras de artistas de outros países que não conhecemos, muitos dos quais que já obtiveram algum reconhecimento nos seus países, mas nem sempre adquiriram status de reconhecimento internacional. A mostra segue em Veneza até o dia 22 de Novembro.