Visitar Chandigarh não fazia parte do nosso roteiro original. Depois da viagem de trem pelo Rajastão, tínhamos ainda 2 dias em Delhi. Ao descobrir que Chandigarh fica a apenas 3 horas de trem da Capital, não pude deixar de ir passar um dia pela cidade.
Uma nova capital para o Punjab
Com a independência da Índia do Império Britânico, em 1947, e a partição e criação do Paquistão, a antiga capital da região do Punjab (Lahore) passou a pertencer ao Paquistão. O Punjab precisava portanto de uma nova capital. Em um primeiro momento, pensou-se em adaptar a estrutura do governo a uma cidade existente mas, em virtude da nova demanda populacional, com mais de 4,5 milhões de imigrantes provindos do Paquistão, chegou-se ao acordo de construir uma nova cidade do zero – Chandigarh.
Após a definição de um sítio, a contratação de urbanistas para desenvolverem o ‘masterplan’ da cidade foi efetuada. Jawaharlal Nehru, o primeiro ministro da época, contratou os americanos Albert Mayer e Matthew Nowicki. Mayer serviu de tenente na India durante a 2ª guerra, ocasião em que conheceu Nehru, e demonstrou-lhe o seu interesse de algum dia trabalhar em algum projeto para o país. Eles iniciaram o projeto porém, em agosto de 1950, o seu sócio morreu em um acidente de avião. Mayer então declarou que não conseguiria continuar o projeto sozinho e abandonou-o pela metade.
Após este choque, houve um momento de indecisão. Quem deveria herdar esse projeto, se encarregar da construção e concepção da nova capital? Após a discussão em torno de vários nomes, fechou-se entorno de Le Corbusier.
O Plano de Corbusier e a semelhança com Brasília
Ao visitar Chandigarh, a comparação com Brasilia torna-se inevitável. Chandigarh (1947) e Brasília (fundada em 1960) nasceram com pouco mais de 10 anos de diferença. Em ambos os contextos, este era um momento de grande expectativa em relação ao futuro. Na Índia, com o fim de uma guerra religiosa e a separação do estado do Paquistão e, no Brasil, com a prosperidade e desenvolvimento econômico. Brasília foi uma cidade concebida para ser apreciada pelo ponto de vista do carro.
Ambos os planos seguem os princípios da Carta de Atenas, de 1933 – o modelo de cidade progressista com as diferentes zonas claramente delimitadas: habitar, trabalhar, lazer e circulação. Em Chandigarh, estas zonas são distribuídas por uma malha de retângulos, denominados ‘setores’, cada um medindo 1.200 x 800m. Em Brasília, temos as “superquadras” residenciais, de 240 x 240m, que seguem o grande arco das asas do Plano Piloto.
De modo semelhante ao Plano Piloto de Lúcio Costa, no qual a praça dos três poderes – com o Palácio do Planalto (executivo), o Supremo Tribunal Federal (Judiciário) e o Congresso Nacional (legislativo) – ‘encabeça’ o conjunto, é no ‘Capitol’, no extremo norte de Chandigarh, que se situa o ‘Secretariat’, o ‘High Court’ (Supremo Tribunal) e a Assembléia. Apesar de ocupar uma posição de evidência na malha, o Capitol se adequal à mesma, preservando a estrutura dos módulos. O Capitol corresponde à dimensão de 2 módulos unificados. Contrariamente, em Brasília o governo é distinguido não apenas pela sua posição no plano mas pela sua forma também.
Em Chandigarh foi criado um lago artificial, bem como em Brasília. Esta é a principal área de lazer da cidade.
Enquanto em Brasilia, a cintura verde é ao longo da faixa residencial, em Chandigarh ela atravessa a cidade numa única faixa verde que corta a cidade sentido norte sul. Uma cintura verde com diversos jardins, entre eles o Rose Garden.
O setor comercial está concentrado no setor 17. Galerias em torno de uma grande praça que propiciam o encontro e o passeio sob os pilotis. Lembra um pouco a tipologia do ‘Connaught Place’ em Nova Deli.
O Racionalismo encontra a Cultura Local
Os espaços públicos de Chandigarh são organizados e bem cuidados. Essa foi a primeira cidade na Índia onde eu percebi que o trânsito realmente funciona. Perdi as esperanças depois de presenciar o caos dos congestionamentos de Nova Deli. Não que a cultura em Chandigarh seja outra, mas parece que todo o sistema orienta melhor as pessoas. Elas, por sua vez, se sentem mais inclinadas a obedecerem as regras. Há muitas latas de lixo na rua, bicicletários, sinalizações – tais elementos parecem fazer com que as pessoas cuidem mais do espaço público.
Obviamente há casos que fogem do plano original. Não dá para o urbanista querer controlar tudo. Em certas ocasiões, a população adequou o construído à sua cultura e ocupou o espaço em função das suas necessidades. Alguns pontos de ônibus, por exemplo, foram utilizados como pontos para amarrar as vacas.
Um outro exemplo: No Capitol, sob o monumento da mão aberta, viu uns funcionários aproveitando o espaço livre para jogar uma partida de “Cricket”, durante o intervalo do almoço.
O modelo Progressista de Le Corbusier, terá ele ajudado os residentes de Chandigarh a viverem melhor? A escala certamente facilita a sua organização. Chandigarh é uma cidade 1 milhão de habitantes, pequena em comparação com Mumbai (12 milhões), Deli (11 milhões) ou Bangalore (8 milhões). Talvez o bom funcionamento se dê também graças à jovialidade da cidade, um otimismo impregnado desde a sua concepção. Seja como for, Chandigarh permanece um forte exemplo de como um bom projeto pode influenciar o comportamento das pessoas, mas que mesmo um bom projeto está sujeito a ocupações e apropriações inesperadas do espaço por parte dos seus usuários.